#AIAgora – Inovação, tecnologia e o futuro do Direito no Brasil com Daniel Marques

Se você atua ou estuda na área jurídica, provavelmente já ouviu o discurso: a advocacia é uma profissão tradicionalista, o mercado está saturado e a tecnologia, especialmente a inteligência artificial, é uma ameaça existencial que promete automatizar o trabalho de milhares de profissionais. É um cenário que inspira mais apreensão do que otimismo.

No entanto, uma análise aprofundada da visão de Daniel Marques, que está à frente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), oferece um contraponto surpreendente e profundamente otimista. Longe de prever o apocalipse, ele enxerga um horizonte de oportunidades sem precedentes para os advogados que souberem decifrar o momento atual. Acompanhe como foi nossa conversa com o especialista.

O ecossistema brasileiro de inovação jurídica

O Brasil se consolidou como um referência global em tecnologia jurídica, com um ecossistema vibrante impulsionado pela forte presença de startups e pela colaboração entre diferentes atores do mercado. A AB2L, fundada em 2016 por empreendedores inconformados com modelos tradicionais e engessados, desempenha papel central nesse movimento ao conectar lawtechs, escritórios, departamentos jurídicos, advogados autônomos e o setor público.

Desde sua origem, o mantra da associação foi “construir pontes, e não muros”. Em vez de segmentar o mercado, a AB2L optou por incluir empresas em diferentes estágios, com soluções diversas e propostas complementares. Essa decisão, segundo Daniel, explica o crescimento acelerado da instituição, hoje reconhecida como a maior associação do mundo em seu segmento.

O panorama atual do mercado é revelador: o Brasil possui entre 400 e 500 lawtechs ativas, com a AB2L reunindo mais de 300 delas. Além do volume, destaca-se a pluralidade de soluções, do contencioso de massa à automação de documentos, da jurimetria à IA generativa.

Entretanto, Daniel lembra que o mercado segue a lógica natural de risco das startups: 80% delas morrem no primeiro ano. Por isso, metodologias ágeis, experimentação e cultura de prototipação não são luxo, são condições de sobrevivência.

Transformação jurídica: Cultura e gestão importam mais que tecnologia

Se a tecnologia está disponível, por que tantos projetos de inovação falham em escritórios e departamentos jurídicos? Para Daniel, o problema raramente é técnico, é cultural e gerencial.

A distinção entre tradição (valor positivo) e tradicionalismo (apego acrítico ao passado) é fundamental para compreender o comportamento do setor jurídico. Ainda hoje, muitos escritórios operam sob modelos de gestão rígidos, pouco abertos à experimentação e avessos a metodologias ágeis.

Essa resistência se manifesta especialmente na adoção de tecnologia. Até 2016, era comum que grandes escritórios tentassem desenvolver sistemas internos, incorrendo em custos altos e desviando-se do seu foco principal. Hoje, com lawtechs altamente especializadas, esse modelo se tornou obsoleto. Contratar soluções prontas é mais rápido, barato e eficiente.

Alguns escritórios criam spin-offs quando desenvolvem boas soluções, mas essa estratégia é rara, complexa e exige maturidade de gestão.

Atualmente, três áreas se destacam como motores da inovação jurídica no país:

  1. Jurimetria / Legal Analytics;
  2. Inteligência Artificial Generativa;
  3. Legal Operations as a Service.

A revolução da IA generativa: o “copiloto” do advogado

A inteligência artificial generativa não substituirá o advogado, mas substituirá o advogado que não souber utilizá-la. Para Daniel, essa tecnologia será para a advocacia o que o Excel foi (e ainda é) para a contabilidade: uma ferramenta de produtividade irrenunciável.

Durante a entrevista, ele mencionou um experimento marcante: após uma atualização, o ChatGPT foi capaz de passar na primeira fase do Exame da OAB (fev/2023). A IA já compreende boa parte da linguagem jurídica e continua evoluindo rapidamente.

Um profissional que sabe integrar IA ao seu fluxo de trabalho pode multiplicar a produtividade da equipe. Um escritório com cinco pessoas, operando com IA e cultura de inovação, pode produzir o equivalente a um escritório tradicional com cinquenta advogados.

Mas por que usar soluções especializadas em vez de ferramentas genéricas? Daniel aponta três motivos claros:

  1. Prompts já otimizados para o jurídico (menor taxa de erro);
  2. Bases de dados treinadas com decisões, normas e doutrina do Brasil;
  3. Segurança e conformidade da informação sensível dos clientes.

A eficiência trazida pela IA já está pressionando o modelo clássico de cobrança por hora. Se a tecnologia permite fazer mais em menos tempo, como continuar cobrando da mesma maneira? A tendência é migrar para modelos baseados em valor, projeto ou impacto, não no tempo despendido.

A IA também altera a estrutura das equipes: Há redução na demanda por tarefas repetitivas normalmente atribuídas a estagiários, enquanto cresce a busca por perfis mais analíticos e estratégicos.

O profissional do futuro deve ser interdisciplinar, estratégico e filosófico

Daniel enfatiza que a tecnologia não desloca o advogado, ao contrário, libera-o para exercer o que sabe fazer melhor: pensar juridicamente.

O futuro da advocacia é interdisciplinar, mas não no sentido superficial de advogados fazendo cursos de programação. A verdadeira transformação ocorre quando equipes jurídicas integram engenheiros, estatísticos, designers, cientistas de dados e profissionais de produto.

Ele cita o modelo britânico de Alternative Business Structure (ABS), que permite sócios não advogados e investimento externo em escritórios. Para Daniel, isso é essencial para reter talentos de outras áreas, que, do contrário, teriam pouco espaço para crescer.

Na formação jurídica, destaca-se a valorização do “filósofo do direito”, aquele que domina princípios e fundamentos, porque técnicas específicas se tornam obsoletas rapidamente. É a capacidade de pensar com profundidade que permitirá navegar num mundo de mudanças constantes. Daniel continua dando conselhos para estudantes e jovens profissionais:

  • Explorar diferentes áreas antes de escolher sua especialização.
  • Após a escolha, buscar excelência profunda.
  • Participar de congressos, eventos e comunidades para entender o business do direito.
  • A partir do terceiro ano, priorizar experiência prática na área desejada.
  • Desenvolver três atributos internos essenciais:
    • Garra (paixão + perseverança);
    • Humildade (autoconhecimento realista);
    • Autoconvicção (disciplina, iniciativa e constância).

Inovação no setor público

Por fim, Daniel ressaltou que o setor público brasileiro, historicamente lento para adotar inovações, tem mostrado sinais concretos de transformação. A digitalização dos tribunais foi o primeiro grande impulso, forçando uma adaptação em todo o ecossistema jurídico.

Hoje, órgãos como AGU e Procuradoria do Rio de Janeiro se destacam ao se aproximarem da AB2L, adotarem práticas ágeis e fomentarem interoperabilidade com a iniciativa privada.

O maior obstáculo ainda é cultural: a ideia de que os dados pertencem ao órgão e não ao cidadão. Mas Daniel observa uma mudança real: cresce a percepção de que o setor público não consegue inovar sozinho. Parcerias são inevitáveis e desejáveis.

Segundo ele, “o norte está bem desenhado”: o futuro é colaborativo.

A entrevista com Daniel deixa claro que o Brasil vive um momento singular: temos um ecossistema jurídico inovador, tecnologias amadurecidas, profissionais curiosos e um setor público que começa a se abrir ao novo, mas a verdadeira transformação não é tecnológica, é humana.

O desafio do futuro não é dominar ferramentas, mas repensar mentalidades, aprimorar modelos de gestão, adotar cultura de experimentação e integrar conhecimentos diversos para construir um Direito mais eficiente, mais acessível e mais conectado à sociedade.

O episódio completo com Daniel Marques está disponível no YouTube e no Spotify. É só clicar na foto do convidado, no início do post para ser redirecionado. Para acompanhar as próximas entrevistas e publicações, siga nossos grupos nas redes sociais e nos acompanhe aqui no blog!

Até breve! 🤖

Rolar para cima